Após um desastre natural similar matar dezenas de milhares de pessoas em Lisboa, Portugal, no século 18, o filósofo Voltaire escreveu “Candide”, satirizando com brutalidade os otimistas que ainda encontravam conforto e esperança em Deus. Após o tsunami no Oceano Índico, a mesma dúvida angustiante está na mente de milhões de religiosos.
Usam o Livro de Jó na Bíblia hebraica. Ele foi escrito há cerca de 2.500 anos durante o que deve ter sido para eles, uma crise de fé. O acordo com Abraão – adore um Deus e seu povo será protegido – parecia não estar funcionando. Os bons morreram jovens, os maus prosperaram; onde estava a justiça prometida?
Na verdade, essa dúvida, adentra num terreno já percorrido por um homem, considerado hoje um dos maiores filósofos de todos os tempos – Voltaire.
Emerge dos versos uma boa dose de indignação. Se Deus é bom, por que permitiu tal tragédia, que não poupou nem as criancinhas? No fundo, Voltaire coloca uma questão que várias pessoas já se fizeram: como compatibilizar o mal com a idéia de um Deus benfazejo?
Com efeito, a contradição entre a idéia de um bem absoluto e o mal visível é conhecida desde a Antiguidade.
Por que Sofrer?
Só quem pensa de modo muito superficial pode se escandalizar com o tsunami e as mortes que ele causou.
Essas mesmas pessoas não pensam que, todos os dias, há milhares de mães que matam os seus próprios filhos, em seu ventre, praticando o aborto.
Milhões de abortos são perpetrados diariamente no mundo. Isso é muito pior que o tsunami.
No último carnaval, só em São Paulo, houve mais de 150 assassinatos.
Por ano, no Brasil, são assassinadas mais pessoas do que morreram na guerra do Vietnã.
O Tsunami não tem culpa. Os abortos e homicídios são criminosos.
Todo dia morrem milhões de pessoas por doenças. E Deus permite isso.
Só considera que a morte é o maior dos males, quem é materialista e acredita que só existe esta vida física, que seria o bem supremo.
Pobres tolos que não conhecem o bem e questionam o mal relativo!
Pobres desesperados que julgam ser a vida física o bem supremo e que vêem esse bem se escapar entre os dedos da mão todos os dias. Pobres desesperados que se agarram a uma vida que lhes foge com uma pneumonia, com um desastre, um assalto, ou com a AIDS.
O Tsunami não foi causado diretamente por Deus.
Deus fez as leis da natureza que funcionam por si mesmas. Deus é a causa primeira. As leis da natureza são as causas segundas.
Se eu tropeço e caio, quebrando uma perna, Deus não é o causador disso. Ele fez a lei da gravidade, que me permite andar. Mas, se não tomo cuidado, tropeço, e essa mesma lei que me ajuda a viver, pode me causar uma fratura.
Deus permite que as leis da natureza, atuando, possam causar males relativos. Mas não é Deus quem fez diretamente o tsunami matar. Ele poderia ter feito isso, para punir, como ele puniu e exterminou os homossexuais de Sodoma. Mas, normalmente, Deus só permite que as leis naturais causem desastres.
Normalmente, são as causas segundas, as leis da natureza, que causam o tsunami, e não Deus, a causa primeira.
E a morte não é o pior mal que pode nos acontecer.
O pior mal é o pecado, que nos afeta a amizade de Deus.
O maior mal é não ter Deus na alma. O maior mal é não amar a Deus, que é a Verdade, o Bem, a Caridade e a Beleza absolutas.
Nós todos estamos condenados a morrer, quer seja de infecção numa unha encravada, quer por um tsunami. Eu vou morrer em breve. Você também vai morrer. O importante é morrer bem.
E só morre bem quem viveu bem, cumprindo a lei de Deus.
Quem não sabe por que vive, não compreende por que se morre.
Quem não tem motivos para viver, não sabe por que morrer. E como bem disse um poeta, já que vamos morrer, é melhor morrer com glória.
É melhor viver com honra, para saber morrer com glória.
É isso que nos ensina o sol, cujo morrer no horizonte é cheio de glória.
"Et je voudrias mourrir un jour sous um ciel rose,
en disant un bon mot pour une belle cause"
["E eu quisera morrer um dia sob um céu de fogo,
dizendo uma boa palavra por uma bela causa"].
Os homens de nossa época não sabem por que vivem, e por isso não sabem porque morrem.
As pessoas de hoje citam Voltaire como um grande filósofo.
Esse homem, que falava de liberdade, mas vivia também do tráfico negreiro, além de outras fontes espúrias, dizia a seus amigos:
"Menti, menti, sempre. Sempre se acreditará em alguma coisa do que dissemos".
Sobre ele, outro filósofo também cheio de erros, Joseph de Maistre, disse:
"Sodoma se envergonharia de Voltaire, Paris o exaltava".
Esse Voltaire que concluía todas as suas cartas dizendo: "Esmagai o Infame", isto é, Jesus Cristo. Esse homem que viveu caluniando, mentindo e sofismando, esse homem de vida corrupta, teve morte horrorosa, por desespero, comendo seus próprios excrementos.
Voltaire??!!
Outros citam Jó, pensando que ele era judeu, e ele não o era. E argumentam com o livro de Jó, notando que os maus prosperavam, enquanto Jó que era santo padecia.
Mas não se pode notar que ainda hoje é assim? Que sempre foi assim? Que sempre será assim? Os bons serão sempre injustiçados e terão que sofrer.
O nome Jó significa "homem das dores", e Jó foi figura profética de Cristo, o
Homem das dores por antonomásia.
Cristo, o Filho de Deus, sem ter culpa alguma, sofreu paixão terrível, e morte na cruz, para pagar os nossos pecados.
E os pecados dos coitados mortos pelo tsunami.
E, dos mais coitados ainda, pelos pecados dos que não compreendem os tsunamis. Pois o pecado destes é o de falta de sabedoria. E quem não tem sabedoria não pode saber o que é o sabor de ser e de ser sábio.
Os sofrimentos da vida, são conseqüência do pecado de Adão, do pecado original, que não consistiu em "comer uma maçã", e sim em tentar ser Deus através do satanismo.
Cristo padeceu por nós, sem ter culpa.
Nós devemos padecer por Cristo, porque temos culpa.
Por isso, quando sofremos com paciência os males que Deus permite que caiam sobre nós, como Jó e como Cristo, devemos aceitá-los. Por isso Jesus disse que seus discípulos seriam perseguidos e caluniados, e sofreriam males e perseguições.
Bem pergunta, então, um poeta:
"Seria só para Cristo a coroa de espinhos, e para nós as coroas de rosas?"
A grande lei da vida é a do sofrimento. Daí Jesus nos dizer:
"Quem quer vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome sua cruz e me siga"
Ele não disse para tomar a guitarra, ou a cordinha do lulu, mas a sua cruz, e segui-lo.
A cruz que é segundo São Paulo, "escândalo para os judeus, e loucura para os pagãos".
Se o século em que vivemos não compreende a cruz, ele é pagão.
Somos pagãos?
Não recebemos a cruz em nossa testa, no dia do Batismo?
Não queremos seguir a Jesus crucificado?
Acreditar em Jesus Cristo é acreditar na cruz, e, por conseguinte, aceitá-la.
No Calvário, lembra São Luis de Montfort, havia três cruzes: a de Jesus inocente, a do ladrão arrependido, e a do ladrão blasfemador desesperado.
E foi assim para nos ensinar que todos na vida sofrem.
Sofrem os inocentes, como Cristo.
Sofrem os pecadores arrependidos, como o ladrão arrependido que ganhou o céu com isso.
Sofrem os pecadores pertinazes, como o ladrão blasfemador e desesperado.
O sinal do cristão é o sinal da cruz!
E este sinal nós o fazemos largamente da cabeça ao coração, do ombro esquerdo ao direito, para significar que aceitamos todas as cruzes e sofrimentos que Deus, Nosso Senhor, nos enviar ou permitir, nesta vida.
Em Nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém
In corde Jesu, semper, Rangel Silva.